Oprimeiro-ministro manifestou esta terça-feira total disponibilidade para colaborar com a justiça “em tudo o que entenda necessário”, mas recusou a prática “de qualquer ato ilícito” ou censurável.
“Quero dizer, olhos nos olhos aos portugueses, que não me pesa na consciência a prática de qualquer ato ilícito, ou sequer de qualquer ato censurável”, afirmou António Costa numa declaração ao país na residência oficial do primeiro-ministro, em São Bento.
O chefe do executivo disse estar “totalmente disponível para colaborar com a Justiça em tudo o que entenda necessário para apurar toda a verdade, seja sobre que matéria for”.
Costa afirmou ter ficado “surpreendido” com a informação de que lhe ia ser instaurado um processo-crime, garantindo que “desconhecia em absoluto a essência de qualquer processo”, e indicou que a nota do gabinete de imprensa da Procuradoria-Geral da República não “explicita a que atos, a que momentos ou a que processo que se refere”.
“A única coisa que dizem é que haverá um inquérito de que serei objeto e que decorrerá no Supremo Tribunal de Justiça”, disse.
O chefe do executivo referiu, contudo, que independentemente do processo, “a dignidade da função de primeiro-ministro e a confiança que os portugueses têm de ter nas instituições é absolutamente incompatível com o facto de alguém, que é o primeiro-ministro, estar sob suspeição da sua integridade, boa conduta ou ser objeto de um processo-crime”.
“O prestígio das instituições democráticas, que me cabe acima de tudo preservar, torna incompatível que se mantenha em funções quem, através de um gabinete de imprensa da Procuradoria-Geral da República, toma conhecimento que já foi, ou vai ser, aberto um processo-crime contra mim”, disse.
Costa reforçou que colaborará totalmente com a justiça, mas reiterou que tem também o dever de se “empenhar na preservação da dignidade das instituições democráticas”, salientando que é “fundamental que os portugueses tenham total confiança em quem exerce as funções de primeiro-ministro”.
“Por isso, é uma etapa que se encerra, foram quase oito anos aos quais me dediquei com toda a energia, fazendo o melhor que sabia, o melhor que pude. (…) Tenho muita honra naquilo que fiz e saio de consciência muito tranquila e totalmente disponível para colaborar com a Justiça”, afirmou.
O primeiro-ministro disse confiar “totalmente na justiça e no seu funcionamento”, salientando que a sua confiança é hoje “tão grande como era no passado”.
“Eu respeito a independência da Justiça, respeitei relativamente aos outros, respeito relativamente a mim, e agradeço que todos a respeitem e, portanto, deixemos a Justiça funcionar normalmente. É pela minha parte o que eu farei, e a Justiça há de concluir esse processo”, disse.
António Costa anunciou hoje que apresentou a sua demissão ao Presidente da República, após o Ministério Público revelar que é alvo de investigação autónoma do Supremo Tribunal de Justiça sobre projetos de lítio e hidrogénio. “Obviamente, apresentei a minha demissão ao senhor Presidente da República”, disse.
Costa não se recandidata e Marcelo aceita demissão
O primeiro-ministro anunciou hoje que o Presidente da República aceitou a sua demissão e que não vai recandidatar-se ao cargo se o chefe de Estado convocar eleições legislativas antecipadas.
“Não, não me vou recandidatar ao cargo de primeiro-ministro, que isso fique muito claro. É evidente que esta é uma etapa da vida que se encerrou, além do mais, porque como nós todos sabemos, os processos crime raramente são rápidos e portanto não ficaria certamente a aguardar a conclusão do processo crime para tirar outra ilação”, afirmou o líder do executivo.
Em relação ao cenário de o chefe de Estado não aceitar a sua demissão, António Costa afastou-o.
“Pedi ao Presidente da República a demissão. Essa demissão foi aceite. Porventura o Presidente da República quererá ponderar qual é a data a partir do qual produz efeitos a minha demissão. E, eu naturalmente, como é o meu dever constitucional, legal e cívico, manter-me-ei em funções até ser substituído por quem me vier a substituir como primeiro-ministro” adiantou.
Interrogado sobre o sistema de relações entre a justiça e a política, António Costa disse que teve a oportunidade de servir este setor “de diversas formas, como advogado, como deputado, ministro da Justiça e da Administração Interna e também como primeiro-ministro”.
“Orgulho-me muito de o corpo essencial dos instrumentos legais de combate à criminalidade económica e financeira, à corrupção, à generalidade dos crimes relacionados com titulares de cargos políticos ter contribuído enquanto ministro da Justiça para que todo esse arsenal pudesse existir e esteja ao serviço do sistema judiciário”, sustentou, antes de se referir especificamente ao PS.
“Orgulho-me de ser líder do partido que contribuiu para desenhar o nosso sistema de justiça e a sua garantia de independência e autonomia do Ministério Público. Orgulho-me muito de, enquanto primeiro-ministro — e como ainda na semana passada o diretor [nacional] da Polícia Judiciária o disse –, nunca a PJ ter tido tantos meios como tem agora para combater a corrupção e a criminalidade económica e financeira”, completou.
António Costa disse ainda que, mesmo nesta conjuntura, reitera a sua ideia de que “uma das grandes qualidades” da democracia portuguesa “é os cidadãos saberem que ninguém está acima da lei e que ninguém se pode intrometer na aplicação da lei, seja um autarca, seja um ministro, seja um primeiro-ministro”.
“Se há uma suspeição, as autoridades judiciárias são totalmente livres para investigarem. Isso que sempre entendia como uma grande mais-valia da nossa democracia não é hoje que entendo que é uma menos-valia da nossa democracia. E a minha confiança na justiça é hoje tão grande quanto era no passado”, acentuou.
Nas suas respostas aos jornalistas, o primeiro-ministro fez questão de vincar que ele, como qualquer outro cidadão, não está acima da lei e, “portanto, se há alguma suspeita, não está acima da lei”.
“Estou cá para colaborar totalmente com a justiça, para apurar toda a verdade e tudo aquilo que a justiça entender dever apurar sobre matéria que, aliás, desconheço o que seja. O comunicado é omisso no que me é imputável”, observou.
A seguir, voltou a frisar que, na sua perspetiva, “é incompatível com o exercício das funções de primeiro-ministro a existência de uma suspeição” sobre a sua “integridade, boa conduta e eventual prática de um ato criminal”.
“Por isso, naturalmente, pedi ao Presidente da República a demissão. Essa demissão foi aceite”, acrescentou.
Costa recusa comentar cenário de eleições antecipadas para não condicionar Marcelo
O primeiro-ministro recusou a pronunciar-se sobre o eventual cenário de eleições legislativas antecipadas para não condicionar o Presidente da República.
“Tive a oportunidade hoje de falar duas vezes com o Presidente da República. Compete, nos termos da Constituição, ao Presidente da República, aceitar a minha demissão, decidir como prosseguirá e quais são os próximos passos. A última coisa que faria neste momento é estar a tentar condicionar ou a pronunciar-me publicamente sobre aquilo que será a decisão que o senhor Presidente da República tomará e que só a ele cabe naturalmente tomar”, alegou o líder do executivo.
Sobre os passos que se vão seguir após chefe de Estado aceitar formalmente a sua demissão, António Costa apenas referiu o seguinte: “Quanto ao futuro, para já, depende das decisões que o senhor Presidente da República tome relativamente às consequências da demissão do primeiro-ministro”.
O primeiro-ministro é alvo de uma investigação autónoma do Ministério Público num inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça, revelou hoje a Procuradoria-Geral da República (PGR).
“No decurso das investigações surgiu, além do mais, o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do primeiro-ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos no contexto suprarreferido. Tais referências serão autonomamente analisadas no âmbito de inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça, por ser esse o foro competente”, lê-se numa nota hoje divulgada pela PGR.
Esta informação surge na sequência de uma operação sobre negócios do lítio e do hidrogénio verde.
Perante esta acusação, na resposta às perguntas dos jornalistas, o primeiro-ministro procurou salientar que ninguém está acima da lei em Portugal.
“Uma das grandes qualidades da democracia portuguesa é os cidadãos saberem que ninguém está acima da lei e que ninguém se pode intrometer na aplicação da lei, seja um autarca, seja um ministro, seja um primeiro-ministro. Se há uma suspeição, as autoridades judiciárias são totalmente livres para investigarem” afirmou.
Neste ponto, António Costa optou mesmo por frisar que a autonomia do sistema de justiça é uma das suas convicções de princípio e que no presente isso se mantém.
“Isso que sempre entendia como uma grande mais-valia da nossa democracia não é hoje que eu entendo que é uma menos-valia da nossa democracia. E a minha confiança na justiça é hoje tão grande quanto era no passado”, acrescentou.
O Presidente convocou para quarta-feira os partidos para uma ronda de audiências no Palácio de Belém, em Lisboa, e vai reunir o Conselho de Estado na quinta-feira.
Na declaração no Palácio de São Bento, António Costa recusou a prática “de qualquer ato ilícito ou censurável” e manifestou total disponibilidade para colaborar com a justiça “em tudo o que entenda necessário”.