A reunião marcada para esta manhã entre Ministério da Saúde e sindicatos médicos foi cancelada ontem à noite. As estruturas vão aguardar a decisão do Presidente da República para definirem estratégias, mas para já fica o sabor amargo de “18 meses de negociação sem um acordo”.
Negociação de 18 meses com médicos suspensas.
As últimas reuniões com o Ministério da Saúde foram sempre consideradas como “a reunião derradeira”, mas destas não saiu fumo branco, e o mesmo se antevia para o encontro de hoje, que foi cancelado ontem ao início da noite e já depois de ter sido confirmado durante a tarde pela tutela.
A questão que se coloca é: E agora? O que vai acontecer ao que andou a ser negociado com a tutela durante este 18 meses, sobretudo nas últimas reuniões em que houve avanços relativamente a duas reivindicações dos médicos, nomeadamente em relação ao horário semanal de 35 horas para os médicos que quiserem e a reposição das 12 horas de urgência, de forma faseada, em vez das 18 a que estavam agora obrigados. Por discutir, e ao fim de 18 meses de negociação, ficou a revalorização salarial dos médicos, reivindicação de há muito e que, mais uma vez, médicos e tutela não conseguiram chegar a acordo.
Neste momento, estão suspensas as negociações, mas mantêm-se os protestos decretados pelas duas estruturais sindicais. A presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), Joana Bordalo e Sá disse hoje ao DN que, para já, e sem haver uma decisão do Presidente da República, mantém a sua agenda, com dois dias de greve nacional na próxima semana, dias 14 e 15, e com uma manifestação à porta do Ministério da Saúde.
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A dirigente sublinhou que, apesar da demissão do primeiro-ministro, “uma coisa é certa, a FNAM continuará a defender o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e os direitos dos médicos”. Por isso mesmo, e no caso de a estrutura suspender os protestos agendados, Joana Bordalo e Sá afirma que “continuaremos a dar apoio a todos os médicos que queiram manter declarações de escusas para não fazerem mais horas extras do que as legais. Estes colegas estarão sempre salvaguardados, é uma decisão pessoal”.
Joana Bordalo e Sá referiu ainda que a sua estrutura não emite opiniões políticas sobre a situação, mas “lamentamos, porque do ponto de vista do SNS, isto vem piorar e muito o seu funcionamento e pode levar a mais saídas de médicos”, sublinhou.
O secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM) disse também ao DN que a sua estrutura vai aguardar pela decisão do Presidente da República, mas adiantou que “se formos para um cenário de eleições antecipadas suspenderemos os protestos, a greve às horas extras, e faremos um apelo aos médicos para que, sendo uma decisão individual, aceitem seguir esta orientação”.
Jorge Roque da Cunha explicou ainda que “num ambiente de crise política e com um governo de gestão, que pouco ou nada pode decidir, não faz sentido manter estes protestos. Teremos de aguardar”.
No entanto, e em relação aos dois decretos sobre o funcionamento das Unidades de Saúde Familiar (USF) e regime de dedicação exclusiva, que foram publicados nesta terça-feira, no próprio dia em que o primeiro-ministro pediu a demissão, que não integram qualquer proposta dos sindicatos e que o governo decidiu legislar sem o acordo destes, que consideram conter artigos que “violam direitos constitucionais”, tanto a FNAM como o SIM já reafirmaram que vão manter a luta contra estes. O dirigente do SIM confirmou que o secretariado nacional vai reunir para analisar os decretos e começar a trabalhar o que consideram que tem de ser alterado.
O país mergulhou numa crise política e o balanço que o SIM faz é que “ao fim de oito anos de governação do PS e de 18 meses de negociação com este ministério não se ter chegado a um acordo não abona nada a favor deste ministro”.
Recorde-se que em relação à valorização salarial os sindicatos reivindicam aumentos de 30% para todos os médicos e não só para os que aceitem o regime de dedicação plena ou que trabalhem em Unidades de Saúde Familiar, como defende a tutela na sua proposta apresentada às duas estruturas. Até porque, a maioria dos médicos trabalha em regime de 40 e de 42 horas e não seria atingida por qualquer aumento significativo.
A presidente da FNAM explicava ao DN na segunda-feira que “o aumento proposto pela tutela de 8,5% – 5,5% e mais 3% do aumento para toda a Função Pública – haveria médicos que teriam um aumento líquido de 75 cêntimos e isto é inaceitável”. O ex-bastonário Miguel Guimarães recordou na mesma altura que “há um dado inegável que é o de os médicos portugueses serem dos mais mal pagos da UE e de haver duas classes profissionais que nos últimos dez anos perderam poder de compra, que são os médicos e os investigadores”.
Nos últimos tempos, os apelos para que tutela e médicos chegassem a um acordo chegaram de todos os lados. Desde o próprio diretor executivo do SNS, Fernando Araújo, de ex-secretários de Estado Lacerda Sales, que, na segunda-feira à RR, defendeu também que o ministro da Saúde não podia estar sozinho nesta negociação, devendo ter o apoio dos ministros das Finanças e da Administração Pública. O novo bispo de Setúbal fez o mesmo, pedindo a médicos e tutela que se entendessem.
Na segunda-feira, os dirigentes das duas estruturas diziam ao DN que os médicos estavam a ficar cansados de uma negociação tão longa e o risco que se corria era o de haver ainda mais saídas do Serviço Nacional de Saúde. Por agora, há cerca de 40 unidades de norte a sul do país com constrangimentos nos serviços de urgência, devido aos pedidos de escusa de profissionais para não realizarem mais do que as 150 horas extras previstas na legislação.